“Talvez cada perfil seja apenas um espelho, mas o amor... o amor é quando o espelho quebra.”
[Cena: Elian e Artur caminham por um corredor espelhado do prédio da start-up. As paredes refletem suas silhuetas em distorção. O lugar parece um templo moderno da tecnologia. Do teto, luzes brancas artificiais brilham como estrelas frias.]
ARTUR: Esses espelhos foram ideia do arquiteto. Disse que é para lembrarmos que o produto final somos nós mesmos.
ELIAN: Sim, a velha ilusão narcísica: olhar para o mundo e ver apenas o próprio reflexo.
ARTUR (olhando-se no espelho): Mas não é isso que as pessoas buscam nos perfis? Reconhecimento. Confirmação. Um amor que diga: “você é tudo que eu quero ser”.
ELIAN: Sim. Mas o amor verdadeiro — se é que ainda ousamos usar esse termo — talvez comece quando o reflexo falha. Quando encontramos o outro, não como espelho, mas como enigma.
ARTUR: O “perfil enigma”? Gostei disso. Mas os dados resistem a enigmas. O sistema precisa de padrões, recorrência, semelhança... A diferença confunde.
ELIAN (encarando seu reflexo partido): Exatamente. O amor, Artur, é a exceção que desestabiliza o padrão. É a falha do código. O bug sagrado.
ARTUR: Bug sagrado... Interessante. A falha que revela. Como o nome de Deus nos textos místicos — sempre no vazio entre as letras.
ELIAN (sorri levemente): Você está começando a entender. O que você chama de “match perfeito” é apenas um encaixe confortável. Mas há paixões que ardem no desacordo. Perfis que, ao se encontrarem, rompem os algoritmos do prazer e nos jogam no abismo do desconhecido.
ARTUR (pausa): Mas o abismo não assusta?
ELIAN: Assusta. Por isso tanta gente prefere relacionamentos otimizados, higienizados, algoritmicamente seguros. Mas isso também os esteriliza.
ARTUR (se vira para o espelho): Então você está dizendo que meu software, no fundo, não busca o amor... Busca uma caricatura do desejo.
ELIAN: Busca o eco. Não o outro. Você quer que a pessoa ame o que ela já ama. Mas o amor, Artur... o amor é quando o outro nos revela algo que jamais suspeitamos em nós mesmos.
ARTUR: E como um sistema poderia reconhecer isso?
ELIAN: Talvez não possa. Ou talvez precise deixar de ser sistema. Abandonar o cálculo. Mergulhar no caos.
ARTUR: Mas sem cálculo, sem previsão, como orientar o usuário?
ELIAN (toca levemente o espelho): Oriente-o como o vento orienta o mar: apenas sopre, sem desejar controle.
ARTUR (quase sussurrando): E se o sistema errar?
ELIAN: Aí, meu caro, talvez finalmente tenha acertado.