2. Perfis e Paixões


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“Talvez cada perfil seja apenas um
espelho, mas o amor...
o amor é quando o espelho quebra.”


[Cena: Elian e Artur caminham por um corredor espelhado do prédio da start-up. As paredes refletem suas silhuetas em distorção. O lugar parece um templo moderno da tecnologia. Do teto, luzes brancas artificiais brilham como estrelas frias.]

ARTUR:
Esses espelhos foram ideia do arquiteto.
Disse que é para lembrarmos que o produto final somos nós mesmos.

ELIAN:
Sim, a velha ilusão narcísica: olhar para o mundo e ver apenas o próprio reflexo.

ARTUR (olhando-se no espelho):
Mas não é isso que as pessoas buscam nos perfis?
Reconhecimento. Confirmação. Um amor que diga: “você é tudo que eu quero ser”.

ELIAN:
Sim. Mas o amor verdadeiro — se é que ainda ousamos usar esse termo — talvez comece quando o reflexo falha.
Quando encontramos o outro, não como espelho, mas como enigma.

ARTUR:
O “perfil enigma”?
Gostei disso. Mas os dados resistem a enigmas.
O sistema precisa de padrões, recorrência, semelhança...
A diferença confunde.

ELIAN (encarando seu reflexo partido):
Exatamente.
O amor, Artur, é a exceção que desestabiliza o padrão.
É a falha do código. O bug sagrado.

ARTUR:
Bug sagrado...
Interessante. A falha que revela. Como o nome de Deus nos textos místicos — sempre no vazio entre as letras.

ELIAN (sorri levemente):
Você está começando a entender.
O que você chama de “match perfeito” é apenas um encaixe confortável.
Mas há paixões que ardem no desacordo.
Perfis que, ao se encontrarem, rompem os algoritmos do prazer e nos jogam no abismo do desconhecido.

ARTUR (pausa):
Mas o abismo não assusta?

ELIAN:
Assusta.
Por isso tanta gente prefere relacionamentos otimizados, higienizados, algoritmicamente seguros.
Mas isso também os esteriliza.

ARTUR (se vira para o espelho):
Então você está dizendo que meu software, no fundo, não busca o amor...
Busca uma caricatura do desejo.

ELIAN:
Busca o eco. Não o outro.
Você quer que a pessoa ame o que ela já ama.
Mas o amor, Artur... o amor é quando o outro nos revela algo que jamais suspeitamos em nós mesmos.

ARTUR:
E como um sistema poderia reconhecer isso?

ELIAN:
Talvez não possa.
Ou talvez precise deixar de ser sistema.
Abandonar o cálculo. Mergulhar no caos.

ARTUR:
Mas sem cálculo, sem previsão, como orientar o usuário?

ELIAN (toca levemente o espelho):
Oriente-o como o vento orienta o mar: apenas sopre, sem desejar controle.

ARTUR (quase sussurrando):
E se o sistema errar?

ELIAN:
Aí, meu caro, talvez finalmente tenha acertado.