1. O Código do Amor


____________________________________ 🕪


“A lógica pode mapear caminhos.
Mas o amor?
Talvez nem queira ser encontrado.”


*[Sala de Reunião – Start-up de Inteligência Artificial – paredes de vidro, luz fria, monitores acesos. ELlAN entra. Veste preto, um olhar entre curioso e cético. Do outro lado da mesa, um jovem desenvolvedor de IA: ARTUR.]

ARTUR:
Senta aí, Elian. Vou te mostrar algo que vai revolucionar os relacionamentos.

ELIAN (olhando em volta):
Você anda usando muito essa palavra: “revolucionar”. Parece nome de remédio forte.

ARTUR (rindo):
Ok, então digamos que é... um cupido de código.
Criamos um sistema que analisa interações online e estima quando alguém está amando.

ELIAN:
Estimativa de amor. Curioso. E como define “amar”?

ARTUR:
Não começamos por aí. Primeiro, mapeamos padrões: número de visitas ao perfil de alguém, tentativas de contato, resposta emocional aos stories...

ELIAN:
Mas... tem quem ame e se esconda. Quem deseje em silêncio.
Tem medo, tem recusa, tem gente que ama e bloqueia.

ARTUR:
Calma, professor. Estamos falando da regra, não da exceção.
Depois que o algoritmo estiver treinado, ele começa a distinguir nuances. Inclusive, o “amor covarde”.

ELIAN:
Mas se você parte da ousadia como regra... talvez esteja apenas mapeando a paixão.

ARTUR (parando por um segundo):
Você tá difícil hoje, hein? Deixa eu terminar.
A terceira camada do sistema mede a reciprocidade. O quanto A ama B comparado ao quanto B ama A.

ELIAN (ergue uma sobrancelha):
Você está medindo amor como se fosse saldo bancário.
Isso não é algoritmo de correspondência. É contabilidade afetiva.

ARTUR:
Não seja romântico. Estamos apenas analisando interações sociais.
Likes, respostas, frequência. Dados puros.

ELIAN:
E o invisível?
E o gesto não digitalizado?
E a ausência que também fala?

ARTUR:
Elian... o sistema não é místico. É estatístico.

ELIAN (olhando pela janela):
Você sabe o que é o princípio do prazer?

ARTUR (hesitando):
Freud, né? Repetir experiências prazerosas?

ELIAN:
Isso.
A internet virou um espelho disso. Ela entrega exatamente o que você quer ver.
Te prende numa bolha de prazer, repetição e familiaridade.

ARTUR:
Mas isso não é bom? Encontrar o que se gosta?

ELIAN:
É confortável.
Mas mata o outro.
A diferença. A surpresa.
O amor, meu caro... não nasce no reconhecimento. Ele acontece no estranhamento.

ARTUR (silêncio breve):
Você está dizendo que quanto mais preciso o algoritmo, menos amor ele encontra?

ELIAN (sorri de canto):
Talvez o amor seja justamente aquilo que o algoritmo não pode prever.

ARTUR:
Então deveríamos deixar o caos decidir? A sorte?

ELIAN:
Talvez não se trate de decidir. Mas de não capturar tudo.
De deixar espaço para o indizível.

ARTUR:
É... talvez o amor ainda seja uma falha do sistema.

ELIAN:
Ou a sua chance de transcendê-lo.