“A lógica pode mapear caminhos. Mas o amor? Talvez nem queira ser encontrado.”
*[Sala de Reunião – Start-up de Inteligência Artificial – paredes de vidro, luz fria, monitores acesos. ELlAN entra. Veste preto, um olhar entre curioso e cético. Do outro lado da mesa, um jovem desenvolvedor de IA: ARTUR.]
ARTUR: Senta aí, Elian. Vou te mostrar algo que vai revolucionar os relacionamentos.
ELIAN (olhando em volta): Você anda usando muito essa palavra: “revolucionar”. Parece nome de remédio forte.
ARTUR (rindo): Ok, então digamos que é... um cupido de código. Criamos um sistema que analisa interações online e estima quando alguém está amando.
ELIAN: Estimativa de amor. Curioso. E como define “amar”?
ARTUR: Não começamos por aí. Primeiro, mapeamos padrões: número de visitas ao perfil de alguém, tentativas de contato, resposta emocional aos stories...
ELIAN: Mas... tem quem ame e se esconda. Quem deseje em silêncio. Tem medo, tem recusa, tem gente que ama e bloqueia.
ARTUR: Calma, professor. Estamos falando da regra, não da exceção. Depois que o algoritmo estiver treinado, ele começa a distinguir nuances. Inclusive, o “amor covarde”.
ELIAN: Mas se você parte da ousadia como regra... talvez esteja apenas mapeando a paixão.
ARTUR (parando por um segundo): Você tá difícil hoje, hein? Deixa eu terminar. A terceira camada do sistema mede a reciprocidade. O quanto A ama B comparado ao quanto B ama A.
ELIAN (ergue uma sobrancelha): Você está medindo amor como se fosse saldo bancário. Isso não é algoritmo de correspondência. É contabilidade afetiva.
ARTUR: Não seja romântico. Estamos apenas analisando interações sociais. Likes, respostas, frequência. Dados puros.
ELIAN: E o invisível? E o gesto não digitalizado? E a ausência que também fala?
ARTUR: Elian... o sistema não é místico. É estatístico.
ELIAN (olhando pela janela): Você sabe o que é o princípio do prazer?
ARTUR (hesitando): Freud, né? Repetir experiências prazerosas?
ELIAN: Isso. A internet virou um espelho disso. Ela entrega exatamente o que você quer ver. Te prende numa bolha de prazer, repetição e familiaridade.
ARTUR: Mas isso não é bom? Encontrar o que se gosta?
ELIAN: É confortável. Mas mata o outro. A diferença. A surpresa. O amor, meu caro... não nasce no reconhecimento. Ele acontece no estranhamento.
ARTUR (silêncio breve): Você está dizendo que quanto mais preciso o algoritmo, menos amor ele encontra?
ELIAN (sorri de canto): Talvez o amor seja justamente aquilo que o algoritmo não pode prever.
ARTUR: Então deveríamos deixar o caos decidir? A sorte?
ELIAN: Talvez não se trate de decidir. Mas de não capturar tudo. De deixar espaço para o indizível.
ARTUR: É... talvez o amor ainda seja uma falha do sistema.
ELIAN: Ou a sua chance de transcendê-lo.