Recuperações & Falência

_______________________

 

C. Considerações acerca da Recuperação Judicial da PDG (patrimônio de afetação)

 

O mercado imobiliário sempre se revelou como uma das espinhas dorsaisda economia de qualquer país. Se o mercado imobiliário não vai bem, a economia em geral também não vai, e isto, basicamente, em razão da enorme cadeia de bens e serviços necessários para o setor girar.

O fato é que um grupo empresarial que chegou a ser, em um curto período de tempo, um dos maiores incorporadores do Brasil, está mal das pernas. E esta subida meteórica, seguida por igual meteórica queda, demonstra justamente a insustentabilidade da cultura de negócios adotada.

Nascido em 1998, e conhecido como PDG, o grupo capitalizou milhões emilhões em 2007 com seu IPO durante a onda das aberturas de capital no país. E, ato subsequente, fez aquisições e aquisições de sociedades do setor, concentrando e aglutinando.

Criou-se, portanto, um gigante ao redor do qual circulavam inúmeros atores: consumidores gastadores de suas economias com o “sonho” da casa própria, investidores acionistas de uma empresa que atendia os “altos” padrões do Novo Mercado de capitais, os bons e velhos banqueiros em seus helicópteros e jatinhos, os operários das construções, um Estado ávido por tributos, dentre tantos outros.

Em fevereiro deste ano, na página 42, do Pedido de Recuperação Judicial feito pelo grupo nascido em 1998, expressaram os advogados subscritores que “até setembro de 2016 o Grupo PDG apresentou uma marca histórica de mais de 684 projetos concluídos em seu portfólio, correspondentes a mais de 146 mil unidades entregues, representativas de um Valor Geral de Vendas (VGV) de aproximadamente R$27 bilhões”.

E, na página 51, disseram os advogados que “atualmente o Grupo PDG continua a apresentar um passivo financeiro de R$5,8 bilhões, além de outras obrigações junto a fornecedores, clientes e prestadores de serviços que, apesar de terem valor relativamente menor, têm inquestionável importância operacional”. O valorda causa foi de R$ 6,2 bilhões.

Claro que este quadro é dado pelos advogados do grupo, e a partir desta posição é que se deve validar a informação, também considerando que o Pedido de Recuperação Judicial foi feito por apenas parte das sociedades que compõem o grupo. Ou seja, dizem que são um grupo mas, ao mesmo tempo, dizem que apenas uma parte destas sociedades é que vai mal das pernas.

E o último ponto interessante, a ser extraído da Petição Inicial, é a frase acostada à fl. 58 dos autos do processo judicial: “é importante ressaltar que o processamento conjunto, ora requerido, de forma alguma pretende afetar o respeito ao patrimônio de afetação constituído em algumas das sociedades do Grupo. De fato, o Grupo PDG respeitará, no curso da presente recuperação judicial, o patrimônio de afetação instituído em 56 sociedades, que integram o polo ativo do presente pedido”.

Minha falecida avózinha já dizia que quando uma pessoa começa a dizer que “de forma alguma fará isto ou aquilo” é porque a pessoa justamente tinha a intenção de fazer isto ou aquilo. Confio na minha avózinha e mais pra frente vamos checar este ponto.

Agora, dizer que o grupo vai mal, mas tirar para fora os pedaços que vão bem, é a mais clara declaração de que as re-estruturações prévias à ação de RecuperaçãoJudicial não foram feitas com o zelo e cautela de que demandavam.

Ora, uma Recuperação Judicial, na sua mais básica e ampla interpretação,é o mesmo que pedir proteção judicial contra credores para se “tomar fôlego” e tentar continuar o negócio: “devo, não nego, mas, se tudo der certo pra mim, pago só daqui há algum tempo, porque o MM Juiz me protege”.

Vejamos, então, como Vossa Excelência vem trabalhando no caso.

Na primeira decisão, de fevereiro de 2017, acostada à fl. 35.894 dos autos, ensina-nos o Digno Juízo que “o simples deferimento do processamento da recuperação judicial, por si só, gera como consequência automática, a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor pelo prazo de 180 dias (stay period), dentre outras consequências legais importantes expostas no art. 52 da LRF”. E, na segunda decisão, de março de 2017, especificamente à fl. 38.133, vaticina o Magistrado:“DEFIRO o processamento da recuperação judicial”.

Os Bancos logo se manifestaram obrigando o Juiz a dar uma terceira decisão, ainda em março de 2017, na qual o Magistrado passa a se atentar para as sociedades, partes integrantes do grupo, da seguinte forma, cf. fl. 44.542 dos autos: “Notocante às sociedades de propósito específico, devem ser esclarecidos os seguintes pontos: a SPE possui patrimônio de afetação? Em sendo a resposta positiva ou negativa, a SPE é superavitária ou deficitária? As SPEs, com ou sem patrimônio de afetação, possuem garantias cruzadas com outras integrantes do grupo e, em caso positivo, no que consistem especificamente essas garantias? A obra da SPE, com ou sem patrimônio de afetação, está paralisada ou atrasada e, caso positivo, qual a justificativa? Foram convocadas assembleias de adquirentes em SPE, que possua ou não patrimônio de afetação, nas obras atrasadas ou paralisadas, nos termos da Lei 4.591/64?”

Adiante, conforme fl. 46.459, em 03 de abril, uma segunda-feira, foi que a corrida para quem vai receber primeiro foi defragrada, considerando-se esta a data de validade de publicidade do Edital. E a corrida só não iniciou no dia da mentira pois 01 de abril caiu no sábado, e o Edital foi publicado em 31 de março, sexta.

Opa! Recuperação Judicial deferida...desde março o grupo não pode ser cobrado...fila para receber...patrimônio de afetação...estas palavras me remetem ao pensamento da minha vovózinha, que descrevi acima.

O patrimônio de afetação, linha gerais, é aquele patrimônio segregado do patrimônio da incorporadora. Caso a incorporadora vá à falência, este patrimônio não é afetado. Segundo o Art. 31-A, da Lei 4591, com redação dada pela Lei 10.931/2004, têm-se que “(...) o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes”

Além disso, § 1o, da referida norma, expressa que “o patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva”; enquanto o §2o estatui que: “o incorporador responde pelos prejuízos que causar ao patrimônio de afetação”.

Neste ponto, temos, então, uma questão de interpretação jurídica interessante. Para fins de se incluir, ou não, o patrimônio de afetação como uma parte integrante do patrimônio do grupo na recuperação judicial, têm-se que a Lei 4.591/1964,por se tratar de lei especial em matéria imobiliária, deve prevalecer como fio orientador relativamente a interpretação da Lei de Recuperação e Falência (11.101/2005). Em outras palavras, a interpretação razoável é a de que os adquirentes de imóveis estão protegidos de a Incorporadora botar as mãos no patrimônio de afetação.

Aliás, esta é, em verdade, a interpretação literal do Art. 31-F, da Lei de Incorporação, a qual embora pretérita relativamente a Lei de Falências, é a Lei que deveprevalecer: “os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação”.

O Magistrado da causa não se manifestou até o momento acerca do patrimônio de afetação, embora instado a tanto. Também será muito desarrazoado que o Juiz considere o prazo para se atribuir destino ao patrimônio de afetação como que já transcorrido, embora a experiência sempre nos mostre que convicção de juiz pode ser em qualquer sentido – é a tal famosa liberdade de convicção. Para os consumidores adquirentes, cujos empreendimentos possuam patrimônio de afetação, mais do que nunca precisam, em condomínio, movimentar-se, de modo a decidirem que rumo irão dar a estes investimentos.

São Paulo, 2017

Início | página anterior

____________________________________________________
Todos os direitos reservados. Proibido copiar e distribuir, sem permissão de Rafael De Conti

 

CONTATO para assessoria jurídica

 

Rafael De Conti, Rafael Augusto De Conti, Direito Falimentar, Recuperação Judicial, Recuperação Extrajudicial, Falências, Advogado Falimentar, Advogado Empresarial