Previdência

 

"A Providência Divina...A Pré-vidência Humana", disse o velho

"O que você está falando?...seu véio...tá doido?...", retrucou o jovem

Ao que o velho esclareceu: "Estou falando sobre Deus e o Profeta..."

E o jovem questionou: "...Sobre o que?...Tomou seus remédios pra cabeça?"

"Sobre lugares que nunca alcançaremos com precisão, visões que o homem acha que pode ter, e as quais nunca terá, acerca da previsão do futuro", esclareceu o velho

Jovem: "Velhinho, hoje em dia temos inteligência artificial, análise preditiva...muito conhecimento acumulado que nos permite prever certos futuros"

Velho: "Um cálculo atuarial tem a ver com prever o futuro?"

Jovem: "Certamente"

Velho (V): "É...talvez consigamos prever alguma coisa...só não sei prever quando eu e você vamos morrer..."

Jovem (J): "Isto ninguém sabe, mas é provável que você vai antes de mim..."

V: "Engraçado você ter usado esta palavra...'provável'...para mim ela quer dizer ausência de certeza...ao menos é certo que estou na vantagem relativamente a você, que ainda está nas fraudas, no quesito tempo já vivido..."

J: "Olha este véio querendo tirar onda!?"

V: "Isto mesmo...eu tenho certeza que já vivi muito mais do que você...não é provável que eu morra depois, mas é possível que você, quando terminar de ter esta conversa, saia aqui de casa e seja atropelado por um carro, e morra..."

J: "Provável e possível...interessante"

V: "Então...o que eu estava pensando quando te falei sobre Deus e Profeta é no fato de que o Estado obriga as pessoas a guardar uma parcela da própria renda (entenda-se: do próprio tempo) para um futuro que estaria pautado em uma estatística do bem comum"

J: "É uma poupança obrigatória, forçada, e graças a ela você, um velho safado e bon vivant, não está na sarjeta"

V: "Pois é...é verdade...eu teria usado aquele dinheiro naquela época...melhor dizendo, teria investido...carros, mulheres, viagens, na Empresa que sonhei abrir uma vez..."

J: "Viu..."

V: "Mas isto não significa que eu estaria na sarjeta hoje...quanto pessimismo e fatalismo para um jovem que ainda, repito, está nas fraudas..."

J: "Claro que estaria na pior...tá bom vai...vou fingir que acredito...quanto mais velho você fica, mais mentiroso e falastrão em..."

V: "O fato, o que é certo, é que naquela época eu não sabia se estaria vivo no dia seguinte, assim como não sei hoje...apenas nos habituamos a isto...e o fato mesmo é que eu ficava puto de ter que ser tutelado pelo Estado acerca do meu próprio dinheiro...porra, quem decide o que fazer com o meu dinheiro sou eu, não o Estado, que ainda me rouba em tributos e mais tributos...porra, então quer dizer que o Estado sabe investir melhor do que eu o meu próprio dinheiro?!...ma che cazzo!"

J: "O fato, seu véio, é que isto foi para o seu próprio bem"

V: "O fato, fraudinha, é que o Estado é dono de uma parte de você, porque o compreende como incapaz de gerir seu próprio destino"

J: "Você está sugerindo que a Previdência Pública deveria acabar?"

V: "Não. Estou afirmando que o Estado deveria acabar...tô tirando com a sua cara vai...mas, talvez, o fim da Previdência Pública, com cada um fazendo o que quiser do seu dinheiro e tempo, mantendo só a parte de Assistencialismo...a Previdência só existe para os corruptos do momento terem um bolo no qual possam passar a mão...sei lá...passa ai estas pílulas vermelhas e um copo de água para mim...vermelhas não, pílulas azúis...acho que tô ficando ruim da cabeça..."

"Toma ai...ó...depois eu volto para terminarmos esta conversa louca"; e o jovem, que estava atrasado para um compromisso, saiu da sala, desceu as escadas e, virando a cabeça para trás, correu dizendo já para fora do portão: "Tchau, velhote!"

"Tchau, fraudinha!", respondeu o velho de ao longe, quando logo em seguida veio um barulho forte e seco lá da rua: "Tum".

 

15 de janeiro de 2018


 

Augustus

A Festa