O segredo de Matilde

 

“Você ficou louca?...Como pôde fazer isto comigo?...Minha própria mãe?...”, berrava Matilde

“Foi para o seu bem, querida...E não grite com sua mãe!...Respeite-me!...Eu fiz isto porque te amo...”

“Mas mãe!...Respeito?!...Você gostaria que eu fizesse isto com você?!”

Matilde estava descontrolada, envergonhada, chateada e decepcionada, profundamente decepcionada, com sua mãe.

Já tinha algum tempo que a mãe de Matilde a achava estranha, aérea...desconfiava que sua princesinha estava apaixonada, e antes de protegê-la de um potencial namorado tranqueira e do ciúme do pai, precisava de mais informações do que parecia ser o primeiro amor de sua menina.

Naquele dia, sabia que Matilde demoraria um pouco mais por causa das aulas do curso de programação que estava fazendo. Aproveitou. Subiu as escadas, entrou sorrateiramente no quarto da filha, abaixou-se perto do armário, tirou a tampa de madeira do fundo, e pegou aquele celular todo arranhado, com o visor quebrado. No dia anterior, ela tinha visto a filha pela fresta da porta esconder algo naquela parte do armário. Sua curiosidade foi tamanha que quase entrou quando a filha tomava banho, mas ponderou, e achou melhor esperar um momento mais oportuno, em que pudesse manusear com mais calma o aparelho.

“Nada! Absolutamente nada dá a você o direito de bisbilhotar minha vida particular! Vida privada! Tenho direitos! Sou gente! E não faço nada de errado!”, gritava Matilde.

“Mas se você não faz nada de errado, então por que escondeu este celular?”

“Porque não quero ninguém vendo minha intimidade, ora bolas!”, retrucava Matilde, ao que bradou: “Devolve agora este celular!”

O celular estava na mão da mãe, que tinha sido pega no flagra quando começava a ler as mensagens trocadas pela filha com um tal de Biro-bira. Nas únicas 3 mensagens que tinha conseguido ler antes de ser pega, viu escrito: ‘Você gostou?’, ‘Sim, foi mega bom’, ‘Nunca tinha feito isto antes?’

“Vamos! Devolve!”, bradava Matilde

A mãe, atendendo seus instintos de proteção da cria, logo teve em sua mente um filme passando enquanto sua filha falava. O som das falas não chegava no seu cérebro, pareciam distantes. A única coisa que via eram filmes. Primeiro, o diálogo remeteu ao perigo das drogas – imaginou sua menina fumando um baseado. Mas logo seu processador, e a tendência da genitora de sempre ver o melhor na prole, lembrou que nunca tinha sentido cheiro de erva nas roupas da filha. E sim, a mamãe de Matilde conhecia este cheiro...Depois, o filme era sobre sexo – começou a vir na mente a imagem de sua filha se entrelaçando com...e seus instintos logo bloquearam a cena…”não, ela é muito nova para isto”, pensou.

“O que você tem a esconder neste celular, Matilde?!”, ao que começou a levantar o braço para ver. Matilde via tudo em camera lenta. O braço já formava um ângulo de 90 graus. Não queria de modo algum que a mãe visse o que havia escrito para Biro-bira.

Num súbito momento, todos os nervos, ossos, músculos, sangue e tudo o mais que compunha o corpo de Matilde confluiram para arrancar o celular da mãe. Instintivamente calculou, pulou, agarrou com a mão esquerda o celular arrancando-o da mão direita de sua mãe. Caiu sobre a cama. A mãe também. Nenhuma das duas acreditava no que tinha ocorrido. Quatro olhos arregalados. Corações disparados. Dupla decepção.

“Como ousa!?”, disse uma

“Como ousa você!?”, disse outra

Aos prantos, Matilde levantou correndo. Desceu as escadas de madeira como nunca dantes, pulando de uma só vez os últimos 5 degraus. Atravessou a sala esbarrando em seu pai, que não entendeu nada, e ganhou a rua.

Após correr sem destino o máximo que podia, já sem folego sentou em um banco de praça. Olhou ao redor. Ninguém. Abaixou a cabeça. Chorou, chorou e chorou. “Como minha mãe pode ser tão cruel!?...”, pensava a menina.

E, quando veio a calma, lembrou das palavras do professor de programação:

“Segurança e segredos, proteção e privacidade: ou se tem uma coisa, ou se tem outra...”

 

16 de novembro de 2018

 

Augustus


A Festa