“Achei que estava aprendendo a viver mas, na verdade, eu estava aprendendo a morrer”

 

César estava deitado ao dizer estas palavras.

“Você se considera viciado?”, perguntou a psicóloga

“Também”, disse César

Acrescentando: “mas não foi por isto que estou te dizendo esta frase, Dra...”, e continuou: “não sei exatamente se esta frase foi escrita assim, e apesar de a ter lido em um post de rede social que atribuía sua autoria a Leonardo Da Vinci, também desconheço a veracidade desta informação”

“ok...então qual seria o motivo de você ter dito esta frase, César?”

“Acompanhe o meu raciocínio, Dra. Veja: nós, todos nós, temos a certeza de ter nascido, e aprendemos que vamos morrer, ou talvez saibamos disto instintiva e primitivamente, como todo animal. Mas, em regra, não sabemos quando morreremos, o momento exato da morte, mesmo quando estamos doentes e com os dias, horas, minutos, segundos…..piiiii…...piiiiii…...piiiiii, sem sinal vital no aparelho do hospital…mesmo nos segundos finais, não se sabe se são mais 10, mais 5, mais 1 segundo...mas veja, Dra.….o correto seria nós dizermos que são menos 10, menos 5, menos 1...e...piiiiiii…….Não sabemos quando morreremos exatamente, mas podemos ter a certeza que nosso tempo só decresce...além da certeza da morte e dos impostos, podemos ter certeza também que nosso tempo só decresce...”

“Faz sentido...prossiga” - a psicóloga queria deixar o encadeamento daquelas idéias fluir

“Muitas religiões prometem a vida pós piiiiiiiiii…tudo com vistas a controlar a insatisfação das massas, tornando o humano um cordeiro de Deus...os pecados? Deliciosos nãos contra os instintos...é quase que dizer para uma criança para ela não fazer justamente com o intuito dela fazer…e depois, ainda por cima, colocam a questão da culpa e do arrependimento…enfim, controle social pela moral, armadilhas para aguçar o prazer do proibido, culpa para aprisionar as almas...’mas fiquem tranquilos súditos-fiéis’ - dizem os padres, pastores, evangelizadores, etc...pois Deus perdoa...”...e continuou César: “E mesmo se Deus fosse algo para além de uma mera criação psicológica, também seria certo que Sua Vontade é de que todos morram”

“ok...”

“Talvez de um modo mais poético podíamos dizer que a Vontade da Natureza é de que a forma da energia eternamente se modifique...neste sentido, fomos os vermes do passado e seremos os vermes de amanhã...mas o fato é que nossa carcaça tem prazo de validade...estão aí dizendo que, no futuro, vão transportar a mente para máquinas ou outros corpos...será a mente a mesma coisa que a alma, o espírito?...enfim...a vida abandonaria a finitude corporal...o que, de certo modo, já existe por meio da linguagem, dos livros, das midias digitais...Serei eu um suicida? Ou um narcisista? Ou tudo isto somado a muitos e muitos ‘istas’ e classificações outras?...enfim, aprender a morrer me deixou mais sábio e menos depressivo...Da Vinci estava (está) certo...e pronto Dra., era isto que eu queria falar...”

“ok, até a próxima sessão de terapia”

 

11 de novembro de 2018


 

Augustus

A Festa